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Este microbook é uma resenha crítica da obra:
Disponível para: Leitura online, leitura nos nossos aplicativos móveis para iPhone/Android e envio em PDF/EPUB/MOBI para o Amazon Kindle.
ISBN:
Editora: NOVA FRONTEIRA
Os poucos versos que aí vão,
Em lugar de outros é que os ponho.
Tu que me lês, deixo ao teu sonho
Imaginar como serão.
Neles porás tua tristeza
Ou bem teu júbilo, e, talvez,
Lhes acharás, tu que me lês,
Alguma sombra de beleza...
Quem os ouviu não os amou.
Meus pobres versos comovidos!
Por isso fiquem esquecidos
Onde o mau vento os atirou.
Esta minha estatuazinha de gesso, quando nova
- O gesso muito branco, as linhas muito puras –
Mal sugeria a imagem de vida
(Embora a figura chorasse).
Há muitos anos tenho-a comigo.
O tempo envelheceu-a, carcomeu-a, manchou-a de pátina amarelo-suja.
Os meus olhos, de tanto a olharem,
Impregnaram-na da minha humanidade irônica de tísico.
Um dia mão estúpida
Inadvertidamente a derrubou e partiu.
Então ajoelhei com raiva, recolhi aqueles tristes fragmentos, recompus a figurinha que
[chorava.
E o tempo sobre as feridas escureceu ainda mais o sujo mordente da pátina...
Hoje este gessozinho comercial
É tocante e vive, e me fez agora refletir
Que só é verdadeiramente vivo o que já sofreu.
Quando ontem adormeci
Na noite de São João
Havia alegria e rumor
Vozes cantigas e risos
Ao pé das fogueiras acesas.
No meio da noite despertei
Não ouvi mais vozes nem risos
Apenas balões
Passavam errantes
Silenciosamente
Apenas de vez em quando
O ruído de um bonde
Cortava o silêncio
Como um túnel.
Onde estavam os que há pouco
Dançavam
Cantavam
E riam
Ao pé das fogueiras acesas?
— Estavam todos dormindo
Estavam todos deitados
Dormindo
Profundamente.
*
Quando eu tinha seis anos
Não pude ver o fim da festa de São João
Porque adormeci.
Hoje não ouço mais as vozes daquele
tempo
Minha avó
Meu avô
Totônio Rodrigues
Tomásia
Rosa
Onde estão todos eles?
— Estão todos dormindo
Estão todos deitados
Dormindo
Profundamente.
O que não tenho e desejo
É o que melhor me enriquece.
Tive uns dinheiros - perdi-os...
Tive amores - esqueci-os.
Mas no maior desespero
Rezei: ganhei essa prece.
Vi terras da minha terra.
Por outras terras andei.
Mas o que ficou marcado
No meu olhar fatigado,
Foram terras que inventei.
Gosto muito de crianças:
Não tive um filho de meu.
Um filho!... Não foi de jeito...
Mas trago dentro do peito
Meu filho que não nasceu.
Criou-me desde eu menino,
Para arquiteto meu pai.
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Não faço versos de guerra.
Não faço porque não sei.
Mas num torpedo-suicida
Darei de bom grado a vida
Na luta em que não lutei
Chama e fumo
Amor - chama e, depois, fumaça...
Medita no que vais fazer:
O fumo vem, a chama passa...
Gozo cruel, ventura escassa,
Dono do meu e do teu ser,
Amor - chama e, depois, fumaça...
Tanto ele queima! e, por desgraça,
Queimado o que melhor houver,
O fumo vem, a chama passa...
Paixão puríssima ou devassa,
Triste ou feliz, pena ou prazer,
Amor - chama e, depois, fumaça...
A cada par que a aurora enlaça,
Como é pungente o entardecer!
O fumo vem, a chama passa...
Antes, todo ele é gosto e graça.
Amor, fogueira linda a arder!
Amor - chama e, depois, fumaça...
Porquanto, mal se satisfaça,
(Como te poderei dizer?...)
O fumo vem, a chama passa...
A chama queima. O fumo embaça.
Tão triste que é! Mas, tem de ser...
Amor?... - chama e, depois, fumaça:
O fumo vem, a chama passa...
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Lá sou amigo do rei
Lá tenho a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Vou-me embora pra Pasárgada
Aqui eu não sou feliz
Lá a existência é uma aventura
De tal modo inconseqüente
Que Joana a Louca de Espanha
Rainha e falsa demente
Vem a ser contraparente
Da nora que nunca tive
E como farei ginástica
Andarei de bicicleta
Montarei em burro brabo
Subirei no pau-de-sebo
Tomarei banhos de mar!
E quando estiver cansado
Deito na beira do rio
Mando chamar a mãe-d'água
Pra me contar as histórias
Que no tempo de eu menino
Rosa vinha me contar
Vou-me embora pra Pasárgada
Em Pasárgada tem tudo
É outra civilização
Tem um processo seguro
De impedir a concepção
Tem telefone automático
Tem alcalóide à vontade
Tem prostitutas bonitas
Para a gente namorar
E quando eu estiver mais triste
Mas triste de não ter jeito
Quando de noite me der
Vontade de me matar
- Lá sou amigo do rei -
Terei a mulher que eu quero
Na cama que escolherei
Vou-me embora pra Pasárgada
Eu quero a estrela da manhã
Onde está a estrela da manhã?
Meus amigos meus inimigos
Procurem a estrela da manhã
Ela desapareceu ia nua
Desapareceu com quem?
Procurem por toda a parte
Digam que sou um homem sem orgulho
Um homem que aceita tudo
Que me importa?
Eu quero a estrela da manhã
Três dias e três noites
Fui assassino e suicida
Ladrão, pulha, falsário
Virgem mal-sexuada
Atribuladora dos aflitos
Girafa de duas cabeças
Pecai por todos pecai com todos
Pecai com os malandros
Pecai com os sargentos
Pecai com os fuzileiros navais
Pecai de todas as maneiras
Com os gregos e com os troianos
Com o padre e com o sacristão
Com o leproso de Pouso Alto
Depois comigo
Te esperarei com mafuás novenas
cavalhadas
comerei terra e direi coisas de uma ternura
tão simples
Que tu desfalecerás
Procurem por toda parte
Pura ou degradada até a última baixeza
eu quero a estrela da manhã.
Que importa a paisagem, a Glória, a baía, a linha do horizonte?
- O que eu vejo é o beco.
Belo belo minha bela
Tenho tudo que não quero
Não tenho nada que quero
Não quero óculos nem tosse
Nem obrigação de voto
Quero quero
Quero a solidão dos píncaros
A água da fonte escondida.
A rosa que floresceu
Sobre a escarpa inacessível
A luz da primeira estrela
Piscando no lusco-fusco
Quero quero
Quero dar a volta ao mundo
Só num navio de vela
Quero rever Pernambuco
Quero ver Bagdad e Cusco
Quero quero
Quero o moreno de Estela
Quero a brancura de Elisa
Quero a saliva de Bela
Quero as sardas de Adalgisa
Quero quero tanta coisa
Belo belo
Mas basta de lero-lero
Vida noves fora zero
Quando a indesejada das gentes chegar
(Não sei se dura ou caroável),
Talvez eu tenha medo.
Talvez sorria, ou diga:
- Alô, iniludível!
O meu dia foi bom, pode a noite descer.
(A noite com os seus sortilégios.)
Encontrará lavrado o campo, a casa limpa, a mesa posta,
Com cada coisa em seu lugar.
Provinciano que nunca soube
Escolher bem uma gravata;
Pernambucano a quem repugna
A faca do pernambucano;
Poeta ruim que na arte da prosa
Envelheceu na infância da arte,
E até mesmo escrevendo crônicas
Ficou cronista de província;
Arquiteto falhado, músico
Falhado (engoliu um dia
Um piano, mas o teclado
Ficou de fora); sem família,
Religião ou filosofia;
Mal tendo a inquietação de espírito
Que vem do sobrenatural,
E em matéria de profissão
Um tísico profissional
Manuel Bandeira se destacou na poesia modernista por não ter medo de incorporar elementos “banais” em poesias significativas e muito bem construídas para expressar, por um lado, a profundidade de seu pensamento filosófico e, por outro, a dureza de sua crítica às injustiças sociais.
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Manuel Carneiro de Sousa Bandeira Filho, um crítico literário e de arte, professor de literatura, poeta e tradutor brasileiro. Um dos mais renomados ícones do modernismo no Bra... (Leia mais)
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